terça-feira, 26 de agosto de 2014

Agruras de um homem na cozinha


Eu sempre gostei de ter algumas facetas e surpreender as pessoas. É legal ver aquela cara de espanto de alguém que te conhece, ou acha que, e descobre que gostamos de alguma coisa totalmente contrária ao perfil que parecemos ter. Da para imaginar o Schwarzenegger regando orquídeas, por exemplo?
Enfim, uma dessas minhas facetas é cozinhar. 
O bom de se dizer a alguém que se sabe cozinhar é que não existe uma classificação oficial para qualificar uma pessoa se ela sabe ou não cozinhar. A minha escala de mestre cuca vai do Marcelo ao Atala. O Atala acho que não preciso explicar quem é, mas o Marcelo vale um parênteses.
Há muito tempo atrás, tínhamos um analista no trabalho, o Marcelo. Ele, com 25 anos, ainda morava com a mãe, mas não era aquele filho folgado querendo economizar toda a sua renda e ainda curtir a casa, roupa lavada e comidinha da mamãe. Era um caso de dependência mesmo. Ele simplesmente não se imaginava vivendo sozinho.
Certo dia, a conversa da área descambou para o lado da moradia e como existiam outros analistas com a mesma idade morando sozinhos e até pensando em "juntar" com a namorada, o Marcelo foi colocado na parede:
- Você não pensa em morar sozinho? Ter a sua privacidade? Sua casa, suas coisas? Questiona o mais chegado dos amigos.
E ele, após alguns segundos de reflexão, solta uma das frases mais célebres da nossa área. Frase que seria repetida inúmeras vezes nas mais inusitadas situações.
- Mas quem fará o meu Sustagem de manhã?
É claro que ficou difícil continuar qualquer conversa depois disso e o Marcelo se tornou a base da minha escala de homem na cozinha.
Voltando à nossa história, qualquer pessoa entre o Marcelo e o Atala pode se considerar alguém que sabe cozinhar. Para ficar claro, esquentar água e misturar Nescau no leite ainda está no nível Marcelo.
Eu claramente estou acima do Marcelo. Mesmo que a distância entre eles seja a largura do universo, me considero a alguns anos luz do antigo companheiro de empresa.
E por que essa certeza? Porque apesar de preparar poucas coisas, eu me tornei um especialistas nelas. Uma das minhas especialidades é um ovo mexido super caprichado e antes que você comece a rir e querer me deixar mais próximo do Marcelo que eu me considero, deixa eu contar a história toda.
O dia em questão era o aniversário da minha cara-metade. Caiu em uma segunda-feira véspera de prova do caçula que ainda precisa de apoio nos estudos, ou seja, não viajamos como de costume e também não saímos. Na verdade não rolou nem aquele bolinho para a família.
Enquanto ela estudava geografia (bacias hidrográficas, rs), resolvi fazer uma surpresa e preparar para ela os ovos mexidos que são sempre um sucesso na família.
Frigideira no fogão, abri a geladeira em busca dos ingredientes. Ovos orgânicos, margarina, leite, cream cheese, requeijão, queijo branco, queijo amarelo, cebola, alho, gengibre, cebolinha.... 
E quando estava fechando a geladeira, vi o creme de leite naquela embalagem longa vida. Ele já estava aberto com um delicado pregador de joaninha na ponta. Hummm, com certeza irá somar no sabor, pensei. Juntei o danado com os outros ingredientes.
Tudo separado, vamos ao processo.
Duas colheres de margarina e deixa derreter no fogo baixo. 
Começo a picar a cebola. Parte que mais gosto. Pico bem rápido e fininho. Ninguém em casa ganha de mim nessa tarefa eheheheh.
O alho é o desidratado mesmo. Mais fácil e detesto o cheiro dele na mão.
Deixo a cebola e o alho dar uma douradinha na margarina e quebro os quatro ovos orgânicos na frigideira. Usei só uma mão para quebrar e abrir os ovos. Igual a um programa na TV que assisti há muuuuitos anos atrás. Uma beleza. Pena que ninguém estava lá para assistir a manobra. Só isso já me levaria para vários km de distância do Marcelo.
Assim que o ovo cai na frigideira eu dou aquela pitada de sal, espero a clara dar uma branqueada e vem uma bela mexida em tudo.
Em seguida entram os queijos picados.... O branco, o amarelo e uma bela porção de cream cheese. A cara já está ótima.
Quando o queijo começa a derreter entra a azeitona picada. Estou quase lá.
Hora do creme de leite. Pego a embalagem longa vida, tiro o pegador de joaninha e dou aquela apertada sem miséria sobre a mistura... Opa, o creme está meio amarelado? Será que está estragado? Hummmm aí percebo o tamanho da barbeiragem. Era leite condensado!
O primeiro pensamento foi de esbravejar sobre quem deixou o leite condensado perto do creme de leite na geladeira. Afinal isso não se faz! 
Logo a mente pensa e percebe o absurdo que seria tentar culpar alguém por aquele desastre. Então o lado engenheiro asume.  
Podia jogar tudo fora agora, começar outro e quem sabe dá tempo de ficar pronto antes da esposa terminar de estudar com o caçula. E aí pensei nos ovos orgânicos, a quantidade de queijo que seria estragada quando me veio à mente uma frase:
"- Aah... Mas com leite condensado até m&#$@ fica bom!". Digo ela sempre que alguém conta uma receita que leva leite condensado.
Então decidi que era a hora de testar essa teoria.
Peguei uma colher para tentar reduzir a quantidade de leite condensado na mistura e consegui apenas queimar o dedo e sujar o fogão que, inacreditavelmente, havia sobrevivido até aqui incólume.
Lembrei do desenho Ratatouille e me senti o próprio ratinho Rémy consertando as besteiras do Linguini (que nesse caso era eu mesmo). 
Para começar a tentar corrigir, coloquei um pouco mais de gengibre, leite e 1 ovo.
Mais cream cheese e mais alho. Cebola não que ia dar muito trabalho.
Deixei no fogo brando por um tempo, até quase o leite secar por completo. A consistência e a aparência estavam incríveis.
Decorei com cebolinha e servi no mesmo momento que meu filho mais velho e minha esposa entram na cozinha e exclamam:
- Hummm , que cheiro delicioso!
Não tive coragem de provar antes deles. Queria ver as reações.
A primeira mordida veio seguida de elogios da esposa e em seguida do filho. Esperei a segunda mordida de ambos e nenhuma cara feia. Sucesso! Consertei a trapalhada.
Minha vez de provar. Já na primeira colherada eu notei claramente o doce do leite condensado. Ele estava lá, escondido entre o gengibre e o alho, mas como eu sabia o que procurar, o reconheci imediatamente. Mesmo assim posso dizer que não está ruim.

Ao final cheguei a duas conclusões! A primeira é que eu realmente posso dizer que cozinho aos amigos e a segunda é que realmente com leite condensado, qualquer coisa fica bom!

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